quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Vai entender...

"Polícia prende homem acusado de roubar R$1,25 de igreja na cidade de Santos(SP)"

Notícia tirada do sistema de TVs da rodoviária do Tietê, em São Paulo.
E daqui:

Antes de mais nada, vamos relevar um fato: O que leva a mídia a expor um fato desses? O cidadão me passa quatro anos labutando numa faculdade de jornalismo pra soltar uma nota desse porte? Isso é pior que obituário, minha gente!

Pois bem, hora da reflexão.

João de Deus é o típico cidadão brasileiro que não deu certo. Preto, pobre, desempregado, descasado, desesperado, morador de rua. Com 38 anos de idade nas costas, sabe bem que é um sortudo de ainda estar vivo, e que sua hora não tarda. Seu próprio sobrenome, dizia ele, o havia esquecido.
João de Deus culpava e abençoava a cachaça diariamente. Ao mesmo tempo que destruia, esquentava. Matava lentamente, mas fazia esquecer com velocidade notável. 
João de Deus havia sido espancado por um grupo de adolescentes industrializados e inconsequentes, que tem o mundo como uma bola de gude. João de Deus, sem um puto, sem honra e com um olho roxo, resolveu ir a igreja.
João de Deus rezou sem saber rezar. Pediu que sua morte viesse rápido. Viu dinheiro.
Olhou para os lados e, sorrateiramente, quebrou o pote com donativos a santa ("povo burro, dar dinheiro pra estátua", pensava) e pegou aquilo que conseguiu.
O padre? Bom, do jeito que as coisas andam, devia estar sodomizando algum garoto da paróquia e demorou pra reparar no dote quebrado. Quando reparou, não teve dúvidas: Polícia. Afinal, "como ficarei, digo... como DEUS ficará sem  R$1,25?"

A polícia encontrou o caboclo, enfim. Bateu no caboclo, xingou o caboclo. Prendeu-o. E soltou-o, depois de perceber que simplesmente não sabem da lei que eles mesmo impõem. 
João de Deus ficou sem sua cachaça e sem seu sobrenome. Deve estar por aí, quiçá vivo.



Não muito longe dali, um cidadão resolveu que ia ser prefeito de São Paulo. E foi.
Desviou quantias exorbitantes para sua conta suíça e, sem nenhum escrúpulo, assumiu o jargão de "rouba, mas faz".
Não apanhou, não foi xingado, não tardou a sair da prisão (prisão? risos). 

Outro, que privatizou meio Brasil e desviou igualmente, não apanhou, não foi xingado, sequer preso ficou. 

Aquele outro lá, que apoiava a ditadura (pra ele era pouco, isso sim), virou presidente da câmara dia desses. Não apanhou, não foi xingado, nem preso foi. 

Afinal, o que são R$1,25?






domingo, 1 de fevereiro de 2009

Paulista, Domingo, 5:30 da manhã, 21 graus.

Abro os olhos.

Vejo um fim de noite lindo num céu aberto.
Vejo um casal sorridente, formado há poucas horas, em direção ao metrô.
Vejo um grupo de amigos, daqueles engomadinhos, conversando com entusiasmo algo que envolvia “ela queria dar pra mim”, “bebeu demais” e muitas risadas.
Vejo outro grupo de amigos pra frente, mais alternativo, matando a última garrafa de vinho e o último maço de cigarro de cravo antes do ônibus aparecer.
Vejo hippies. Vários.
Vejo a garota dentro do carro, gritando de felicidade, pra todo mundo saber que sua noite foi perfeita.
Vejo os carros, se perseguindo em alta velocidade.
Vejo jovens senhores em sua caminhada matinal.
Vejo o garoto vomitando a sua alegria (ou tristeza) transformada em álcool horas atrás.
Vejo a prostituta subindo a Augusta, depois de uma noite de grande movimento.
Em todos esses, vejo sorriso. Aquele característico de fim de noite.

Fecho os Olhos. Abro-os novamente.

Vejo mendigos dormindo em plena calçada.
Vejo mendigos dormindo dentro de um estabelecimento qualquer abandonado.
Vejo mendigos tremendo de frio, mesmo com a temperatua amena.
Vejo sujeira nas ruas.
Vejo um acidente envolvendo dois carros que se perseguiam em alta velocidade e uma jovem de 18 anos, que atravessava bêbadamente a rua.
Vejo o policial subvertendo seu serviço discretamente.
Vejo o segurança do hotel, em posição impecável desde o começo da noite, num dos seus três serviços pra sustentar mulher e quatro filhos.
Vejo o dono da banca conversando com um transeunte, desolado sobre a atual situação financeira do país.
Vejo o vendedor ambulante iniciando seus serviços.
Vejo a prostituta de 12 anos subindo a Augusta, e não vejo seu sorriso.
Vejo mais mendigos.

Vejo contraste.